terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Nova matemática do colesterol

O mais amplo estudo sobre a eficácia e a segurança das estatinas mostra que esses medicamentos contra o maior inimigo do coração podem ser usados em doses mais altas do que as habituais e que as metas para os níveis de LDL devem ser revistas.Desde que foi identificado pela primeira vez, na década de 60, como um fator de risco para doenças cardiovasculares, o colesterol passou a ser medido por taxas padronizadas. O estabelecimento de parâmetros foi fundamental não só para o controle da saúde do doente, como para o desenvolvimento de estratégias de prevenção a infartos e derrames. De lá para cá, os estudos científicos aperfeiçoaram os métodos de medição e reduziram drasticamente os níveis de colesterol considerados ideais. Hoje, os médicos trabalham com dois tipos de colesterol - o bom (o HDL) e o mau (o LDL). O foco, porém, é o LDL, a molécula desencadeadora da formação das placas de gordura. Quem tem histórico de doença cardiovascular deve mante-lo a 70 miligramas por decilitro de sangue. Quem nunca teve o problema, mas apresenta dois ou mais fatores de risco (ou seja, fuma, tem mais de 55 anos, é diabético e/ou hipertenso), pode chegar a um LDL de 100. Os saudáveis devem ficar num máximo de 130.


A lógica das metas padronizadas, no entanto, começa a ser questionada. Já é razoável o número de especialistas que pautam o tratamento na quantidade de LDL a ser reduzida - e não necessariamente com vistas a atingir esse ou aquele índice. É o que eles chamam de redução fracionada de colesterol. De acordo com seus defensores, independentemente da taxa inicial, com quedas a partir de 20 miligramas mas no LDL, é possível diminuir bastante a possibilidade de ocorrência de infartos e derrames. "A redução fracionada é uma forma revolucionária de abordar o colesterol", diz Raul Dias dos Santos, cardiologista do Instituto do Coração e presidente do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. "No dia a dia dos consultório é mais plausível do que tentar fazer com que um paciente chegue a índices, não raro, inatingíveis." De fato, um terço dos doentes (o que equivale a cerca de 10 milhões de brasileiros) simplesmente não consegue alcançar os parâmetros em vigor - nem com a adoção de uma VIDA SAUDÁVEL. nem por meio das doses usuais de medicamentos anti colesterol.


Em geral os especialistas trabalham com diminuições por meio de estatinas de, no máximo, 40 miligramas de LDL. Não prescrevem. portanto, as quantidades mais elevadas indicadas nas bulas, com receio de efeitos colaterais graves, como hemorragia cerebral, câncer de intestino, de mama e problemas musculares. Um trabalho publicado recentemente na revista científica inglesa The Lancer mostrou que é possível usar doses maiores. a fim de chegar a um limite de 80 miligramas de queda, sem prejuízos à saúde. Isso significa que como não dá para ir além desse patamar apenas com estatinas. e esse patamar nem sempre é suficiente para atingir as metas preconizadas universalmente, a redução fracionada de colesterol é um bom caminho. O novo estudo é o mais amplo já realizado sobre a eficácia e a segurança desses remédios. Trata-se de uma análise exaustiva das 26 pesquisas mais extensas feitas a respeito de tais medicamentos nos últimos quinze anos. O levantamento envolveu 170 000 voluntários e foi patrocinado pelos governos inglês e australiano e por associações médicas dos dois países. Constatou-se que baixar 80 miligramas nos índices de LDL reduz em 45% a probabilidade de sobrevirem doenças cardiovasculares. Tamanho benefício foi visto tanto entre os participantes do grupo de cardíacos quanto entre os pertencentes ao grupo de risco.


Como se aplica, na prática, a nova matemática do colesterol? Tome-se, por exemplo, um paciente que já sofreu infarto e apresenta 180 de LDL. Pelas normas atuais, ele seria incentivado a atingir 70 de LDL Pela lógica da redução fracionada, e a levar-se em conta o máximo sugerido pelo estudo publicado na Lancer, o objetivo desse paciente seria chegar a 100 de colesterol ruim (180 menos 80). Da mesma forma, outro paciente com o mesmo perfil, mas LDL de 120. seria estimulado a chegar a 40 (120 menos 80), em vez dos tradicionais 70. "Esse raciocínio deve influenciar as próximas diretrizes médicas para a prevenção e o tratamento dos distúrbios cardiovasculares", diz Roberto Kalil, cardiologista do Instituto do Coração e diretor do centro de cardiologia do Hospital Sírio-libanês, em São Paulo. O índice de colesterol inicial dos voluntários do levantamento variou, em média, de 80 a 150 miligramas. Obviamente, nunca se cogitou zerar o LDL: apesar de seus malefícios, ele integra processos vitais. Em quantidades adequadas, a substancia é fundamental na fabricação de hormônios e na formação da membrana das células de todo o organismo.


"Para que essas funções não sejam comprometidas, é preciso manter a taxa mínima de 40 miligramas de LDL". afirma o cardiologista Marcus Bolívar mala chias, presidente do departamento de HIPERTENSÃO da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Em 60% dos usuários de estatinas, e que não as associam a outros tipos de remédio nem seguem um estilo de VIDA SAUDÁVEL, só se consegue uma queda de 80 miligramas por meio da ingestão das doses máximas determinadas pelos fabricantes. "Até a publicação da pesquisa anglo australiana, não havia um estudo conclusivo sobre se era seguro prescreve-as". diz o cardiologista Marcus Malachias. Um grupo de voluntários, entre cardíacos e não cardíacos, recebeu o dobro da quantidade de estatinas normalmente utilizada - de 20 miligramas diárias de Rosuvastatina (princípio ativo do Crestor e do vivador. entre outros) a 80 miligramas de Sinvastatina e de atorvastatina (vendidas sob os nomes comerciais de Zocor e Lipitor. entre as marcas mais famosas). Nesse grupo, a incidência de câncer e hemorragia cerebral foi a mesma em relação àqueles que tomaram placebo - 1,4% e 0%, respectivamente. Ou seja, de acordo com esses resultados, as doses máximas de estatinas estão liberadas para todos. Até então, elas só eram indicadas aos pacientes considerados de altíssimo risco aqueles com LDL acima de 200.
A família da dona de casa Guiomar Cruz Antônio, de 68 anos, convive com o fantasma do colesterol alto há vinte anos. Em meados dos anos 80, ao receber o diagnóstico de 327 de LDL, Guiomar foi enfaticamente aconselhada a mudar de modo radical seu estilo de vida, com a adoção de uma DIETA com pouca gordura e a prática de exercícios físicos diários. Em 1994, foi a vez de sua filha Gisele descobrir ser portadora do problema da mãe: seu LDL era de 330. Além de mudar de hábitos, ela foi medicada com estatina. Em 1998, constatou-se que Felipe. filho de Gisele, sofria do mesmo mal: 204 de LDL. com apenas 10 anos de idade. Por causa desse índice tão elevado para uma criança, ele recebeu desde o início a indicação de tomar doses máximas de estatina. Nenhum deles atingiu as taxas preconizadas de 100 miligramas de LDL, mas conseguiram baixá-las em 50%. "A luta para chegar aos 100 é muito angustiante", diz Guiomar. O novo estudo mostra, porém, que a batalha dos Cruz Antônio já rendeu excelentes resultados.


O histórico da família de Guiomar retrata a evolução no tratamento contra o colesterol. Até a década de 80, as indicações praticamente se resumiam a mudanças no estilo de vida. Mas, do total de casos de LDL alto, 5% são determinados principalmente pela genética, contra a qual não fumar, fazer ginástica e ter uma DIETA equilibrada contribui pouco por si só. A imensa maioria dos pacientes mais antigos só conseguiu fazer o LDL baixar para níveis normais ou próximos a ele a partir de 1987, quando foi lançada a primeira estatina. a lovastatina. Atualmente, as estatinas são consumidas regularmente por cerca de 30 milhões de pessoas. das quais cerca de 1 milhão estão no Brasil. A ação do remédio consiste em impedir a fabricação do colesterol diretamente no fígado. Seus efeitos adversos mais comuns são dores musculares. Cerca de 10% dos pacientes relatam tais sintomas. Em 3% deles. o mal-estar é caracterizado como "insuportável" e o tratamento tem de ser abandonado. Por algum motivo ainda não desvendado, as estatinas podem intoxicar as células musculares, ao estimular o acúmulo de gorduras dentro delas. O excesso desses lipídeos faz com que elas entrem "em sofrimento". levando as à morte. E nesse processo que o paciente sente dor.


As lesões musculares. por sua vez. propiciam a fabricação de quantidades elevadas da enzima CPK. Entre as pessoas tratadas com estatinas, o nível de CPK pode ser até dez vezes maior do que o normal. Por isso, a enzima é o mais importante marcador desse efeito adverso causado pelas estatinas. Dores musculares foram verificadas entre os participantes na Lancer. No grupo que tomou as doses mais altas de estatinas, a proporção de relatos sobre dores musculares foi de quatro em cada 10000 pessoas. No das dosagens mais baixas, de um em cada 10000. O diabetes é outro efeito adverso das estatinas. No novo trabalho. não se tocou no assunto. Sabe-se, no entanto, que a probabilidade de desenvolvimento da doença é 9% maior. porque esses medicamentos dificultam a entrada da insulina nas células. Ainda assim, para os especialistas. quando há risco cardiovascular, os benefícios proporcionados pelas estatinas são maiores do que o risco de diabetes oferecido por elas.


Em excesso, o colesterol ruim provoca a oxidação da camada interna dos vasos sanguíneos, levando-os à inflamação. O organismo reage ao processo inflamatório enviando para o local células de defesa. Ao final, a batalha é sempre perdida, visto que as células de defesa acabam se depositando na parede das artérias, o que contribui para a formação das placas de gordura - o aglomerado de células libera enzimas que atraem outras substancias. como cálcio, colágeno e o próprio LDL. Desse modo, formam-se as obstruções. As estatísticas mundiais indicam que metade dos adultos tem LDL alto. O principal fator de proteção contra ele é a produção de outro tipo de colesterol, o Hdl . O colesterol tem a função de "varrer" o excesso de LDL acumulado. Os medicamentos existentes hoje no mercado agem pouco no aumento da quantidade do bom colesterol. As estatinas, por exemplo, conseguem elevar em até 20% apenas as taxas de HDL - o equivalente ao que se obtém com a atividade física regular. Um trabalho publicado em novembro, na revista médica The New England Journal of Medicine, mostrou resultados promissores de testes em humanos feitos com um medicamento experimental, o anacetrapibe, do laboratório MSD. A molécula aumentou em 138% o colesterol bom, além de reduzir em 40% o colesterol ruim.


A maioria dos doentes tem como principal causa para o aumento do LDL os maus hábitos cotidianos, como sedentarismo, DIETA rica em gordura e tabagismo. Para o administrador de empresa Denny Cimatti, de 32 anos, a mudança de estilo de vida foi determinante no controle do colesterol. Aos 18 anos, ao receber o diagnóstico de que seu LDL estava em 130. mudou radicalmente sua DIETA: cortou a gordura da ALIMENTAÇÃO e intensificou a atividade física. Seu colesterol se normalizou. O ritmo regrado durou doze anos. Aos 30, Cimatti acumulou trabalho e um curso de pós-graduação. Resultado: aos 31, seu colesterol ruim havia saltado para 180. Ele passou a tomar estatina e tentar manter uma VIDA SAUDÁVEL. Pela nova matemática, pode chegar a 100.


Agora, também com remédio

A adoção de um estilo de VIDA SAUDÁVEL foi fundamental para a redução do colesterol do administrador de empresas Denny Cimatti, hoje com 32 anos. De 1996 até dois anos atrás, ele conseguiu manter o LDL sob controle graças a uma ALIMENTAÇÃO saudável e à prática regular de exercícios físicos. Em 2008, quando começou a trabalhar e a fazer um curso de pós-graduação, sem tempo para a ginástica e hábitos à mesa adequados, os níveis de LDL foram às alturas, chegando a 180. Dessa vez, os médicos não pensaram duas vezes. O tratamento inicial não poderia basear-se apenas em um dia a dia mais regrado. Desde então, Cimatti passou a tomar estatina.

Fonte: CFN